Pergaminhos Proibidos: Cahass Dh’rakta (Parte 4)

Confie apenas em si e em sua lâmina – diziam em coro todos os iniciados num centro de um círculo composto pelos membros mais antigos, cada um dos iniciados agora era um Elggin Velve. Aleanndar era um deles.

Rapidamente o circulo se desfez e todos voltaram aos seus afazeres. Aleanndar se aproximou de Cahass lhe cumprimentou firmemente apertando sua única mão.

E agora? – Indagava para seu não mais Alur.

Agora fará as missões e receberá por isso, como todos nós – respondia sem muitas delongas.

Já tenho um serviço para nós então – propunha Aleanndar com um sorriso no rosto.

Interessante, pode dizer – parecia um pouco curioso Cahass.

É um tanto complicado, eu estou tentando resgatar uma…

Quando percebeu que se tratava de uma missão pessoal, o drow gesticulou com seu único braço fazendo o jovem calar-se.

Veja bem, nós não fazemos nenhum serviço de graça – falou num tom baixo, mas firme.

Faço parte de uma organização de assassinos e não posso usufruir disso? – Ainda haviam alguns detalhes na sociedade drow que o jovem deixava passar, ele não tinha percebido que ninguém iria lhe fazer nada por camaradagem.

Você fará as missões e ganhará suas moedas. Se algum dia conseguir a quantia necessária para o serviço que deseja, lhe ajudaremos pelo custo correto.

Aleanndar fitou por uns instantes o drow e captou a mensagem, que não poderia ser mais clara. Não iria conseguir nada de graça por aqui, precisaria trabalhar por um bom tempo para conseguir moedas o suficiente para acabar com os Nindel Evven’ton e resgatar sua mãe. Então, assim o fez.

Por quase um ano o jovem drow realizou diversos trabalhos, tanto com os seus já conhecidos fugitivos de Everhervs, como com outros membros. Nesse tempo cometeu mais de trinta assassinatos com as próprias mãos, de machos a fêmeas, de escravos a nobres.

Todas essas missões foram um ganho de experiência para Aleanndar. Aprendeu melhor a arte da esgrima, deixando de lado o velho punhal por uma rapieira roubada. Começou a treinar com bestas depois de conseguir uma moderna besta de repetição dos duegar. Mas apesar de tudo, ainda não se sentia confortável com armaduras, preferindo até mesmo lutar sem camisa, pois precisava economizar e elas sempre se rasgavam.

Quando finalmente tinha um grande montante de moedas de ouro, tornou a falar com o líder dos Elggin Velve.

Acha que isso cobre o serviço? – Jogava um enorme saco sobre a mesa.

Refresque minha memória, sequer lembro qual era.

Fazia muito tempo que o jovem drow havia comentado sobre o serviço, de fato era algo difícil de recordar, ainda mais quando não deixou sequer ele terminar a primeira frase.

Existe um bando mercenário chamado de Nindel Evven’ton, eles são liderados por Kronintraor Claddiryn. Esse bando trabalha com captura de fêmeas – tomou um pouco de tempo antes de continuar sua história – As fêmeas são utilizadas em seu estabelecimento Jaluk’s Uln’hyrr, localizado nas galerias próximas da cidade. Eles sequestraram minha mãe que vive lá há 16 anos, satisfazendo o desejo dos sádicos frequentadores do local. A missão é resgatá-la e acabar com o bando – terminou o restante em um só folego, sem dar muitas brechas para comentários ou interrupções.

Realmente, um serviço perigoso, acabar com um bando inteiro de mercenários – falava enquanto abria o saco de moedas.

Eu tenho tudo planejado, preciso apenas de homens habilidosos, duas equipes – tentava amortecer o custo.

Por essa quantia terá um grupo de iniciados e um grupo de membros.

Se os membros forem Bruholin, Dipolg e Welvel… – Estendeu a mão para fechar o acordo.

Feito – finalizou a conversa apertando a mão de seu antigo iniciado.

*****

Era mais um dia de ronda dos Nindel Evven’ton, como de praxe procuravam por pequenos grupos em expedição pelos complexos de túneis. Capturaram muitas de suas fêmeas assim e alguns machos para serem revendidos como escravos.

O plano de Aleanndar já estava em execução. O grupo dos membros composto por Bruholin, Dipolg e Welvel estava responsável por exterminar esse grupo de mercenários e o grupo dos iniciados composto por quatro, incluindo Aleanndar, estava responsável pelo resgate de Charnag.

Iniciados, quando os mercenários estão caçando apenas um drow toma conta do estabelecimento – começou Aleanndar falando para os três iniciados a alguns metros do Jaluk’s Uln’hyrr.

Qual será o plano então? – Perguntava um dos iniciados.

O mais fácil e obvio possível, entraremos todos de uma vez, iremos rondar o local em busca da drow e sairemos o mais rápido possível. Caso encontrem o dono do estabelecimento matem-no.

Todos entraram no estabelecimento de uma vez e se dividiram. Aleanndar e um iniciado pelos quartos da esquerda e outros dois pelos quartos da direita.

Já tendo conhecimento de onde sua mãe estaria, Aleanndar foi diretamente até o quarto dela, ao chegar à porta do iniciado tomou sua frente e disse:

Deixe-me ser atacado primeiro mestre.

Aleanndar não compreendeu tal atitude do drow, nenhum drow faria um favor como esse, ao menos que desejasse algo em troca. Como o iniciado já havia começado a abrir a porta, o jovem drow permitiu que ele continuasse sem causar maiores transtornos.

Ao abrir a porta com certa brutalidade, foi possível avistar na parede oposta a da entrada uma fêmea drow nua presa por algumas correntes. Em poucos instantes Aleanndar reconheceu sua mãe.

É ela, solte-a – Ordenou ao iniciado, enquanto fechada a porta lentamente para não chamar atenção com a quebra das correntes.

Quando voltou a atenção para sua mãe, o drow estava com a espada na garganta da fêmea. A prostituta não se movia, parecia estar desmaiada depois de mais uma longa jornada de trabalho.

Lembra de mim? – Esboçava um sinistro sorriso o drow, como se cumprisse algo que deseja há muito tempo.

Aleanndar olhava o drow, mas nada lhe vinha à memória. O desespero começou a bater. Anos de treinamento e esforço para um resgatar sua mãe e agora ele estava prestes a fracassar. Ele precisava calcular bem as palavras, negociar com o bastardo drow. Respirou fundo para manter a frieza e respondeu.

Não me recordo, mas podemos resolver isso de outra maneira – tentava acalmar os ânimos.

O drow não falou nada em resposta, apenas ergueu o braço desarmado fazendo a manga descer até o cotovelo. Foi possível ver uma grande cicatriz no antebraço.

Realmente, Aleanndar jamais poderia se lembrar dele pelo rosto, nunca havia visto. Este foi o maldito iniciado que ele deixou vivo após seu primeiro teste há praticamente um ano atrás.

O drow, satisfeito com o olhar de surpresa de Aleanndar, cortou a garganta da fêmea.

O jovem drow tentou evitar a tragédia puxando a besta, mas antes de sequer atirar a porta bateu em suas costas com bastante força. Logo atrás dela estava Kronintraor Claddiryn, o escravista dono do local.

Aleanndar estava ao chão, um tanto zonzo da pancada, cercado pelo assassino de sua mãe e pelo responsável pelos últimos miseráveis 16 anos que ela vivera. O mercenário empunhava uma espada de duas mãos e o traidor uma espada de uma mão e ambos partiram ao ataque.

Sem muita reação, Aleanndar fez um rolamento para tentar evitar os golpes, mas apenas evitou sua morte. A espada bastarda lhe cortou o peito e a outra lhe perfurou a coxa. Sem muitas alternativas o drow pedia por socorro.

INICIADOS, AJUDA!

Os iniciados, ao ouvir os gritos de Aleanndar rapidamente começaram a correr na direção dele. Mas eram muitos quartos, o suficiente para o jovem drow ter o mesmo destino da mãe.

Aproveitando da lentidão da arma de Kronintraor, o drow num impulso com a perna ainda saudável se jogou contra ele, evitando que o outro drow desferisse um golpe com risco de atingir seu aliado. Com esse pouco ganho de tempo, Aleanndar empunhou sua rapieira e se jogou contra a parede, já que não poderia ficar lutando entre os dois com a perna debilitada. Nesse momento da luta os dois drow mantinham certa distancia do espadachim, pois sua arma não era tão longa quanto às deles. As sequencias de golpes eram desferidas contra o drow ferido, alguns golpes eram aparados por sua rapieira, os demais resultavam em novos ferimentos no torso, braços e pernas.

Os ferimentos eram tantos que Aleanndar começava a brandir a arma sem nenhuma firmeza e até mesmo os golpes que batiam na sua rapieira conseguiam atingir seu corpo, pois não tinha mais força para bloqueá-los por completo.

Sua visão estava completamente turva, apenas via as movimentações de seus dois inimigos, enquanto movia sua rapieira de maneira aleatória, tentando manter-se vivo por mais alguns instantes.

Subitamente uma sombra surgiu no quarto, mas Aleanndar desmaiou antes de reconhecê-la.

 *****

Finalmente concluímos seu treinamento garoto – falava Cahass para o seu antigo iniciado.

Aleanndar estava deitado sobre uma cama, seu corpo estava quase por completo enfaixado. Lembrava de tudo que ocorreu na noite que viu a sua mãe ser morta, mas não sabia como estava vivo.

Não entendo Cahass, você me salvou? – O jovem drow estava confuso.

Sim, você precisava de uma última lição. Sua obsessão por sua mãe lhe deixava fraco, emotivo, passional. Mas agora resolvi esse problema, creio que jamais cometerá o mesmo erro ao deixar um inimigo vivo.

Aleanndar arregalou os olhos, sua fúria era tremenda o suficiente para erguer seu braço até segurar o colarinho de seu antigo Alur.

Quem você pensa que é? – As lagrimas enchiam os olhos do drow, ele não acreditava que fora traído de maneira tão banal – Eu confiei em você!

Sou seu Alur, vi seu potencial e investi nele lhe livrando de suas fraquezas – respondeu friamente ao jovem drow, sem sequer mover um músculo contra o drow.

Aleanndar não tinha mais forças para combater ninguém naquele momento, essa lição havia lhe atingido no fundo de sua alma, ele nunca mais seria o mesmo. Enxugou as lagrimas e virou-se de lado, ignorando a presença de Cahass.

Os dias se passaram. O jovem drow recuperou-se por completo e tomado de uma estranha calma foi ter uma última conversa com seu Alur.

Agora compreendo – falava com convicção em sua voz.

Espero que sim Aleanndar, suas fraquezas o matariam um dia, como iriam lhe matar naquele estabelecimento – frisava sem qualquer rancor por suas ações.

Certamente, creio que chegou meu momento de partir. Pelo que fui informado sequer enviou Bruholin e os outros para enfrentar os escravistas, então agora sou caçado por eles – Aleanndar falava, mas as palavras não estavam sintonizadas com sua expressão facial, fixa e serena.

Sim, era uma missão suicida – respondeu sem mais delongas Cahass.

Espero lhe encontrar no futuro, também lhe provarei um ponto por ter me deixado vivo – as palavras não soavam como uma ameaça, parecia uma estranha despedida.

Aleanndar se retirou do grande galpão dos Elggin Velve, portando sua besta de repetição, sua rapieira e roupas do corpo.

Viajou por dias nos complexos de túneis, sentiu fortes tremores, mas estava longe o suficiente para não receber nenhum impacto. Descobriu que não conseguiria retornar pelo caminho que fez, talvez outros túneis lhe servissem. Mas não estava interessado em retornar, buscava outras oportunidades.

Viveu sozinho por meses, aprimorando suas habilidades e refletindo sobre tudo que havia aprendido nos últimos três anos.

Em mais um dia de sua jornada, tirou um longo e estranho cochilo.

Aleanndar acordou e percebeu que estava diante de uma construção negra, sua entrada era uma grande escadaria e aranhas cercavam o local. Caminhou até a construção, procurando mais alguém na região e rapidamente viu um grupo descendo as escadarias, equipados para batalhar.

Vendui’ jaluk¹ – uma fêmea que liderava o grupo dirigiu a palavra ao jovem drow.

Vendui’ ustta jallil – correspondeu respeitosamente o drow solitário, curvando-se respeitosamente diante da drow e seus soldados.

Vel’uss ph’ dos? – questionava, exigindo explicações do drow.

Ustta jallil shlu’ta lar uns’aa …

Por um tempo pausou, pensando qual seria sua nova identidade e finalmente respondeu:

… Cahass Dh’rakta.

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Roberto Pinheiro
Resolveu desenterrar históricos de antigos personagens. Já mestrou e jogou RPG por muitos anos mas parou devido ao tempo necessário para usufruir de uma boa campanha e a dificuldade em sempre reunir a mesma galera. Atualmente aproveita seu tempo livre com Boardgames.

¹ Diálogo na língua Drow, se tiver interesse, visite o tradutor.

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